- Acórdão: Apelação Cível n. 2002.008817-0/0000-00, da comarca de Campo Grande.
- Relator: Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan.
- Data da decisão: 06.05.2003.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INTERDIÇÃO – LAUDO PERICIAL CONFLITANTE – INTERDITANDO COM INCAPACIDADE LABORATIVA QUE EXIJA CONSTÂNCIA E REGULARIDADE E CAPACIDADE PARA GERIR SUA PESSOA E SEUS BENS – SÍNDROME EPILEPTIFORME –DECRETAÇÃO DE INTERDIÇÃO – RECURSO PROVIDO. Não é razoável reconhecer que uma pessoa portadora de síndrome epileptiforme, incapaz de exercer atividade laborativa que exija constância e regularidade, possa gerir sua pessoa e seus bens, sendo assim.
A síndrome epileptiforme se assemelha à epilepsia, doença tida como alienação ou deficiência mental, que sujeita o doente à curatela.
Recurso provido. Interdição determinada.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em votação unânime, com o parecer, prover o apelo.
Campo Grande, 6 de maio de 2003.
Des. Luiz Carlos Santini - Presidente
Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan - Relator
Apelante - Elza Bezerra de Oliveira.
Advogados - Anastácio Dalvo de Oliveira Ávila e outro.
Apelado - Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul.
Prom. Just. - Carlos Alberto Zeola.
RELATÓRIO
O Sr. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan
Elza Bezerra de Oliveira interpõe recurso de apelação contra a sentença que, nos autos da ação de interdição, julgou improcedente o pedido formulado, extinguindo o processo com julgamento do mérito.
Irresignada com a sentença prolatada pelo juiz singular, pretende a agravante seja reformada a decisão, e decretada a interdição de seu marido, Luciano Rodrigues de Matos, argumentando que este não detém capacidade laborativa nem de gerir sua vida e seus bens.
Por fim, requer a procedência da presente apelação, a fim de, reformando a sentença, decretar a interdição de Luciano Rodrigues de Matos.
O apelado apresenta contra-razões em que pugna pelo não-provimento do recurso.
O representante do Ministério Público Estadual pugna pela manutenção da sentença.
A Procuradoria-Geral de Justiça, consubstanciada na impossibilidade de o apelado gerir sua própria vida e administrar seus bens, opina pelo provimento do recurso.
VOTO
O Sr. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan (Relator)
Conforme relatado, visa a apelação interposta por Elza Bezerra de Oliveira reformar a sentença que negou a interdição de seu marido, sob o argumento de que sua deficiência somente o incapacita de exercer atividades laborativas, mas não o impede de gerir sua vida e seus bens.
Ao que se colhe dos autos, o pedido de interdição foi indeferido com suporte no exame pericial, que concluiu que o apelado, apesar de possuir síndrome pós-traumática - síndrome epileptiforme - é capaz de gerir sua pessoa e seus bens.
Ocorre, no entanto, que analisando o conjunto probatório dos autos nota-se que o apelado não possui capacidade para gerir sua pessoa e seus bens.
Afere-se que durante a audiência de exame e interrogatório, prevista no art. 1.181 do Código de Processo Civil, o apelado não conseguiu responder a nenhuma pergunta.
Por oportuno, transcreve-se abaixo trecho da ata de audiência:
“...Instalada a audiência, não foi possível a oitiva do interditando, visto que não respondeu às perguntas.”
Aliás, o juiz singular, ao proferir a sentença, reconheceu a deficiência mental sofrida pelo apelado, senão vejamos:
“O requerido não deve, realmente, ser interditado, pois, que, examinado, conclui-se que é portador de “deficiência mental”, impressão que se colheu, ainda, em seu interrogatório judicial, outrossim, esta enfermidade tão-somente o incapacita de exercer atividades laborativas que exija constância e regularidade, porém não o impede de gerir sua pessoa e seus bens.”
Com efeito, de acordo com o art. 1.767, III, do novo Código Civil, estão sujeitos à curatela os deficientes mentais.
Não me parece razoável, ademais, reconhecer que uma pessoa incapaz de exercer atividades laborativas, as quais exige constância e regularidade, possa gerir sua pessoa e seus bens.
Neste sentido, aliás, manifestou-se o representante da Procuradoria-Geral de Justiça que, em razão da pertinência argumentativa do parecer, transcrevo: (TJMS, FLS.62-69):
“Portanto, não há que se admitir, que pessoa incapaz de laborar em atividades que exijam constância e regularidade possa administrar sua vida e bens, uma vez que a vida nos obriga a agir desta maneira.
Permitir que o interditando, pessoa incapaz e completamente dependente de sua esposa, continue a gerir sua vida e seus bens, seria prejudicial a ele próprio, uma vez que poderia passar por constrangimentos e até mesmo dilapidar seu patrimônio, pois não tem condições de valorar os fatos, já que, como revelado no próprio exame judicial, possui pensamento empobrecido e hipomnésia para fatos remotos e recentes.”
Saliente-se, por oportuno, que o exame psiquiátrico constatou que o interditando é portador de síndrome epileptiforme, ou seja, síndrome que se assemelha à epilepsia em suas manifestações.
A epilepsia se caracteriza por acessos recidivos de distúrbio de consciência ou de outras funções psíquicas, decorrente de uma disritmia cerebral em decorrência de descargas nos neurônios encefálicos, segundo o Dicionário Eletrônico Aurélio.
Apesar disso, a conclusão da médica psiquiátrica que elaborou o exame é no sentido de tratar-se “de transtorno neuropsiquiátrico de caráter crônico e irremissível, que o incapacita para a execução de atividades laborativas que exijam constância e regularidade, porém não o impede de gerir sua pessoa e seus bens” (sic), não se pode descurar que a avaliação em questão, também consignou (f. 31):
“EXAME MENTAL:
Apresentou-se ao exame...
Tem conhecimento do motivo do exame, sem, todavia, ter capacidade plena de valorar o caráter do fato, muito mais devido a fatores sócio-culturais que psicopatológicos. O pensamento é empobrecido, com hipomnésia para fatos recentes e remotos. Sem demonstrar vontade ou iniciativa, sem questionar sua situação social atual. Mostra-se orientado parcialmente no tempo e no espaço. Tem noção da própria identidade.
CONCLUSÕES:
1 – Os dados de anamnese obtidos e o exame psíquico realizado permitem firmar o diagnóstico de Síndrome Cerebral pós-traumática, transtorno neuropsiquiátrico caracterizado por dificuldades cognitivas, irritabilidade, labilidade afetiva, alterações da memória, iniciativa e vontade causadas por trauma cerebral grave, com arma de fogo.”
É de se questionar se alguém que não tem capacidade de valorar o caráter do fato, possuidor de pensamento empobrecido, portador de trauma cerebral grave, afeto a transtornos neuropsiquiátricos caracterizados por dificuldades cognitivas, irritabilidade, labilidade afetiva e alterações de memória possa ter plena consciência e aptidão para gerir sua própria vida e bens?
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao julgar a Apelação Cível nº 95.02.13591-1, por sua 3ª Turma, tendo como relatora a Desª Federal Tânia Heine, conforme publicação no DJU de 07.11.2000, à p. 109, assim se manifestou:
“... EPILEPSIA – ALIENAÇÃO MENTAL.
...
V – A mais abalizada jurisprudência entende que epilepsia está incluída no conceito de alienação mental.
...”
A alienação mental nos dizeres do atual Código Civil (art. 1.767, III) se enquadra como deficiência mental e enseja a interdição.
Da mesma forma, na infeliz dicção do art. 446, I, do Código Civil de 1916, a alienação mental representa uma modalidade dos “loucos de todo o gênero”, igualmente determinando a interdição.
Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento decretando a interdição plena do apelado, nomeando-se a apelante como sua curadora.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
EM VOTAÇÃO UNÂNIME, COM O PARECER, PROVERAM O APELO.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Luiz Carlos Santini.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Horácio Vanderlei Nascimento Pithan, Nildo de Carvalho e Luiz Carlos Santini.
Campo Grande, 6 de maio de 2003.
Bel. Admilson Pereira Tomé
Secretário da Segunda Turma Cível
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